Esta poderia ser a manchete de qualquer um destes dias. Dia 26 de julho de 2016 o sujeito desta frase estava no singular. E tinha um nome: Jacques Hamel. Ou melhor padre Jacques Hamel, pois foi justamente por sua vocação que ele encontrou a morte.
Por volta de 9h25 dois homens entraram na Igreja Santo Estêvão de Rouvray (Saint-Etienne-du-Rouvray) durante a celebração da missa diária. Estavam na Igreja: um casal, três religiosas e o padre Jacques (que era o vigário da Paróquia). As religiosas, em entrevista do jornal Le Monde confirmaram que, ao entrarem na Igreja, obrigaram o padre Jacques a ajoelhar próximo do altar, entregaram uma câmera ao paroquiano presente para que tudo filmasse. Degolaram o padre Jacques. Neste instante uma das religiosas escapou da Igreja e parou um carro, solicitando ao condutor que avisasse a polícia. Os demais são mantidos como reféns na Igreja e há um diálogo entre eles. Os dois assassinos alegam que fazem isto em nome da paz (?). Querem que a Síria pare de ser bombardeada. Aguardam a polícia, que rapidamente vem e encerra o sequestro com a morte de ambos.
...
Não muito tempo depois o Estado Islâmico (EI) reivindicou a autoria do ato. Eram "soldados" do EI, simpatizantes, colaboradores. Fosse qual fosse a ligação entre os dois assassinos e o EI, o mal já estava feito. Primeiro ato terrorista em um Igreja da Europa. Primeiro padre que vítima de um ato terrorista na Europa, pela causa deste maldito EI. Estou frisando na Europa, pois sabemos que muitos cristãos (leigos, religiosos, padres) estão sendo mortos no Oriente Médio pelo EI.
Estas informações não são apenas dados. Padre Hamel era um sacerdote que além de uma vida toda dedicada à sua missão tinha uma característica de promover o diálogo inter-religioso em sua região. Era um promotor da paz. Em sua última carta pastoral (de junho de 2016), padre Jacques escrevia: "Que possamos, nestes momentos [de férias], ouvir o convite de Deus para cuidarmos deste mundo, fazendo-o, lá onde vivemos, mais acolhedor, mais humano e mais fraterno".
Foi este testemunho que Mohammed Karabila, presidente do Conselho regional do culto muçulmano da Normandia deu ao jornal Le Figaro, a respeito do padre Jacques:
"[...] um homem de paz, de religião, com um carisma próprio. Uma pessoa que dedicou sua vida a seus ideais e à sua religião. Ele sacrificou sua vida pelos outros".
O que me impressionou - além da morte cruel sofrida pelo padre Jacques - foi a reação de muitos católicos que se arrogaram no direito de "vingar" a morte do padre e convocar uma "guerra santa" contra - veja só - o Islã!
Já não era um ato terrorista reivindicado por uma entidade extremamente radical, armada, facínora, que deturpa uma religião, um livro em seu favor. Era uma provocação do mundo muçulmano contra o cristianismo, contra o Ocidente!
Esqueceram-se de que aquele a quem nós, os cristãos, seguimos, foi ASSASSINADO, depois de ter sido TORTURADO, de maneira cruel. Foi exposto à humilhação (não, não foi filmado, mas ficou à vista de todos). Foi esmagado e seu julgamento havia sido uma farsa. Foi traído por seu amigo. Era inocente. Havia dedicado a sua vida pregando o amor, a paz. Só fez o bem. E, ainda assim, essa foi a sua sorte...
E mais, ele mesmo disse - "Por que, se eles fazem isto ao lenho verde, que acontecerá ao seco?" (Lc 23,31) E ainda: "Certamente bebereis do meu cálice" (Mt 20,23) e diversas outras palavras. E a morte brutal dos cristãos foi uma constante no início do cristianismo e muitas vezes ao longo da história.
Seriam os cristãos masoquistas? Buscaríamos nós a morte? De forma nenhuma! A vida, para nós cristãos, é o grande dom que nosso Pai nos concedeu, que devemos cuidar e defender - tanto a nossa quanto a de nossos irmãos e de toda a criação.
Se, porém, não buscamos a morte, é ela quem nos encontra - e para muitos, de maneira abrupta, misteriosa, por vezes cruel. Padre Jacques Hamel foi desta forma encontrado...
E qual seria a resposta cristã à este acontecimento? A ira, a revolta, a vingança, a guerra das religiões?
"A Igreja Católica não pode pegar noutras armas que não sejam a oração e a fraternidade entre os homens" - D. Dominique Lebrun, arcebispo de Rouen.
"Não queremos vencer o ódio com mais ódio, vencer a violência com mais violência, vencer o terror com mais terror. A nossa resposta a este mundo em guerra tem um nome: chama-se fraternidade, chama-se irmandade, chama-se comunhão, chama-se família" (Papa Francisco, na JMJ, dia 30.07).
"Nós nos comprometemos a continuar nossos esforços junto às nossas respectivas comunidades para lutar contra toda atitude extrema ou de exclusão. Faremos todos os esforços possíveis para promover a vida em comum" (retirado do comunicado de Comitê de Rouen)
"Sanguis martyrum est semen Ecclesiae" - "O sangue dos mártires é semente da Igreja [de novos cristãos] - Tertuliano.
Os mártires são aqueles que entregaram suas vidas, não aqueles que tiraram a vida de outros.
E é impressionante como esta máxima é verdadeira. Também neste caso do padre Jacques.
"#EusouJacquesHamel: Este é o momento certo para anunciar que eu estou me convertendo ao Catolicismo Romano". Este foi o twitter que o jornalista Sohrab Ahmari, iraniano, especialista em política internacional e atualmente morando nos Estados Unidos, escreveu no dia da morte do padre Jacques Hamel.
Qual será a resposta da França, da Europa diante deste terrorismo? Não sabemos, mas a nossa resposta, como cristãos, deverá ser sempre uma resposta de amor e uma proposta de paz.
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