"O justo é como árvore plantada à beira de águas correntes, perto da Fonte. Porque está plantado assim, ele dá fruto no tempo certo e suas folhas não murcham. Tudo o que faz prospera. Ele é teimosamente abençoado por Deus. A olhos vistos".

Divulgo, aqui no blog, algumas reflexões. Não são textos acabados e sempre estou aberto ao diálogo!

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

ENTREVISTA - Dom Manuel - Revista Isto É


ISTOÉ - O seu discurso no Senado ainda repercute muito?

DOM MANUEL EDMILSON DA CRUZ -

Dom Edmilson – Recebo e-mails pedindo para que eu lidere uma campanha por todo o Brasil para tornar lei uma proposta segundo a qual os salários dos parlamentares devem ser reajustados pelo mesmo percentual concedido ao salário mínimo e às aposentadorias. Essa ideia está movimentando muitos grupos pelo País afora, do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, do Rio de Janeiro, do Paraná, de Minas Gerais. É um movimento espontâneo, de cidadãos que sentem que não é possível continuar do jeito que está. A luta vai ser para transformar a proposta em projeto de lei. Por onde passo, recebo manifestações de apoio.

ISTOÉ – Qual seria o parâmetro para o aumento dos políticos?

DOM MANUEL EDMILSON DA CRUZ -

Dom Edmilson – Concordo com a ideia de que o aumento dos políticos deveria ser o mesmo concedido ao salário mínimo. Isso daria um resultado muito grande como mudança de mentalidade. Passaríamos a fazer as coisas caminharem nos trilhos certos.

ISTOÉ – Alguns parlamentares defendem o percentual atual de aumento, dizendo que têm uma despesa muito alta...

DOM MANUEL EDMILSON DA CRUZ -

Dom Edmilson – Isso não entra na minha cabeça. Tudo o que eles usam é pago com o nosso suor e o nosso trabalho. Há fatos que esses representantes fazem que não têm qualificação. Recentemente, um deles queria ressarcimento do erário público de uma noite de motel... Isso é razoável?? Uma pessoa tão bem remunerada cobrar do povo uma conta desse tipo? Não é possível aceitar uma coisa dessas

ISTOÉ – O sr. acha que forma de reajuste será mudada em curto prazo?

DOM MANUEL EDMILSON DA CRUZ -

Dom Edmilson – Houve repercussão às minhas palavras e espero que haja algum efeito. Não porque fui eu que disse, mas porque essa é uma reclamação que está na alma do povo brasileiro. Sinto que o povo não está mais querendo aceitar esse tipo de coisa. Há uma exigência indignada por mudanças. Isso pode ter consequências, como desordens e coisas parecidas

ISTOÉ – O sr. vai participar de manifestações públicas?

DOM MANUEL EDMILSON DA CRUZ -

Dom Edmilson – Recentemente, alguns estudantes me ligaram para ir a um evento público. Eu disse que não iria, nem ficaria bem, já que haveria também a presença de líderes partidários. Não apoio nem partidos nem candidatos. Poderei participar de qualquer debate sobre a ideia se não houver vinculação a algum partido. Entendo que não é tempo de aliança da Igreja com poder nenhum, seja de forma implícita ou explícita. Mas é tempo de colaboração com todos os poderes pelo bem do povo.

ISTOÉ – Qual deve ser a participação da Igreja na política nos dias de hoje?

DOM MANUEL EDMILSON DA CRUZ -

Dom Edmilson – Há muitas possibilidades e muitas respostas para esta pergunta. Penso que no momento devemos colaborar para a formação da consciência cívica do cidadão. Nós herdamos uma tradição multisecular que veio de Portugal e Espanha em que, algumas vezes sem querer e sem notar, agimos como corruptos. Vou dar um exemplo. Imagine um sacerdote novo, cheio de boa vontade, que fique responsável por uma paróquia no sertão distante. Se esse padre quiser manter um colégio naquele lugar, vai passar por muito sofrimento, já que os pais não têm dinheiro para pagar e não se pode dispensar o aluno. Digamos que algum político queira ajudar e dê uma subvenção de R$ 1 milhão por quatro anos. O padre, no entanto, recebe R$ 900 mil e deve assinar como se tivesse recebido o total anunciado. Isso não é corrupção? Claro que sim, mesmo que haja muita boa vontade de ajudar o povo. Isso, infelizmente, acontece.

ISTOÉ – O que o levou a recusar a comenda naquela solenidade do final do ano passado?

DOM MANUEL EDMILSON DA CRUZ -

Dom Edmilson – Estamos em um momento em que as aposentadorias estão baixas, o salário mínimo é insuficiente, os reajustes dos trabalhadores são ínfimos, como aconteceu com os motoristas de ônibus de Fortaleza que pediam 26% e ganharam apenas 6%. Pois em meio a essas injustiças, os parlamentares aprovam aquele aumento (de 61%) em seus vencimentos. Aquilo é uma bofetada nos contribuintes brasileiros, que são quase 200 milhões. Isso é insensibilidade, é desrespeito a si próprio e ao povo.
ISTOÉ – O sr. também foi acusado de ter desrespeitado o Congresso.
Dom Edmilson – Foi em respeito à instituição que fiz aquilo. Não quis afrontar ninguém. É uma questão de convicção, tento colaborar para o bem de todos. A minha fala teve uma repercussão muito grande porque coincidiu com o sentimento da população.

ISTOÉ – Como os senadores receberam as suas críticas?

DOM MANUEL EDMILSON DA CRUZ -

Dom Edmilson – Alguns ficaram de cara emburrada, outros não. O Cristóvam Buarque vibrou, aplaudiu na hora. Houve quem argumentasse que as críticas deveriam ser consideradas no futuro, quando houvesse um novo reajuste, mas eu disse que essa atitude deveria ter sido tomada agora. Outro parlamentar disse que minha manifestação poderia ter sido feita de outro modo, em outro momento. Não. Era para ser naquele momento e naquele lugar. Eu estava dando uma colaboração ao dizer algo que tem a concordância da maioria absoluta do povo brasileiro. A população não apenas concorda, mas reage indignada. Digo com toda a humildade e sem querer dar lições a ninguém: temos ali no Congresso pessoas competentes, boas pessoas, grandes homens, mas ninguém ainda do porte de um Nelson Mandela, que, ao tomar posse na Presidência de seu país, fez baixar em 50% o valor de seus honorários.

ISTOÉ – O que o sr. acha do político que votou a favor desse aumento abusivo?

DOM MANUEL EDMILSON DA CRUZ -

Dom Edmilson – Essa pessoa não representa o povo. Estará causando a morte de muitos, já que vão faltar recursos para a saúde, para o transporte, para a educação. E as pessoas morrem por causa disso. O que está por trás desses aumentos é algo muito profundo. É uma atitude inominável.

ISTOÉ – Qual a responsabilidade do eleitor na má qualidade dos políticos brasileiros?

DOM MANUEL EDMILSON DA CRUZ -

Dom Edmilson – Vingou a ideia do ex-governador de São Paulo, Adhemar de Barros, que muitos diziam ser um grande administrador, mas que outros tantos também acusavam de roubo. E ele dizia: “Roubo, mas faço.” Agora, o pessoal pensa que todos os políticos são corruptos e os eleitores votam no candidato que acham que vai fazer alguma coisa, querem resultados. Com muita frequência, este político, depois de eleito, despreza a saúde, a educação... Aqui em Fortaleza temos pessoas em estado terminal espalhadas no corredor do Hospital Geral. O que o médico pode fazer, com 20 pessoas esperando por ele e sem recursos? Situações parecidas acontecem em outras cidades, até capitais. Isso ocorre porque a contribuição que deveria ir para a saúde é desviada. É uma coisa cruel demais. Por isso, cunhei a frase: votar em político corrupto é votar na morte.

ISTOÉ – Como o sr. viu a participação maciça de grupos religiosos na última eleição presidencial?

DOM MANUEL EDMILSON DA CRUZ -

Dom Edmilson – Acho que os religiosos, sejam eles católicos, sejam evangélicos, tinham o direito de se manifestar contra o aborto. Mas, falar sobre o assunto naquela hora, puxar o assunto na campanha presidencial, achei inadequado. Naquele momento, qual o candidato, por mais “abortista” que fosse, que iria dizer ao povo brasileiro que era a favor do aborto? Criou-se um mal-estar desnecessário, foi inoportuno. Aborto não é um assunto religioso, é um assunto humano, é assunto relativo à vida.

ISTOÉ – Como o sr. vê o crescimento das denominações evangélicas? Estão tirando o espaço da Igreja Católica?

DOM MANUEL EDMILSON DA CRUZ -

Dom Edmilson – Há muitos fiéis que saem das igrejas católicas, mas há muitos fiéis que saem também das outras religiões. O importante é que vejo que há uma sede de Deus, talvez pela insegurança que a população vem sofrendo. Observo que vez ou outra um engenheiro, um arquiteto, não apenas o povo mais humilde, pede ao padre uma bênção. Outro dia, uma senhora grávida pediu para que eu pusesse a mão em sua barriga para que abençoasse a criança que vai nascer. Mesmo em meio ao progresso tecnológico, ainda se mantém a fé, essa busca pela segurança divina.

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