"O justo é como árvore plantada à beira de águas correntes, perto da Fonte. Porque está plantado assim, ele dá fruto no tempo certo e suas folhas não murcham. Tudo o que faz prospera. Ele é teimosamente abençoado por Deus. A olhos vistos".

Divulgo, aqui no blog, algumas reflexões. Não são textos acabados e sempre estou aberto ao diálogo!

domingo, 12 de março de 2017

Padres casados? O que, de fato, o papa Francisco falou.


O que o Papa falou na entrevista?

A entrevista está disponível no site do jornal "Die Zeit", em alemão. Porém, o acesso é restrito aos assinantes. Pode-se ver um resumo do próprio jornal aqui (caso alguém tenha acesso à entrevista completa - em qualquer língua - peço que deixe o link nos comentários, obrigado).

Então, de acordo com este resumo e com comentários da mídia católica em geral, pode-se resumir assim o que o papa Francisco disse:




  • Ele se preocupa com a crescente falta de padres em vários países (fala da Alemanha) - vê como "um problema enorme";
  • Constata que a crise vocacional é também falta de oração;
  • Que é necessário trabalhar com os jovens;
  • Uma das questões da crise vocacional é também a diminuição da taxa de natalidade - "se não há jovens, não há padres";
  • Não se deve recorrer ao proselitismo para conseguir vocações;
  • Hoje, muitos padres arruinam a Igreja, pois não estão prontos para a vocação;
  • O celibato opcional faz parte do debate - sobretudo onde faltam padres, mas ele afirma também, que ele não é a solução;
  • Os "viri probati" são uma possibilidade;
  • A Igreja deve enfrentar sem medo este e outros problemas - "O medo fecha as portas, a esperança as abre. E quando a liberdade é pequena, abre-se, ao menos uma pequena janela".

Quando aconteceu esta entrevista?

Ela se deu no fim de fevereiro, mas foi disponibilizada, on-line, no dia 8 de março. Quem realizou a entrevista com o Papa foi o diretor ítalo-alemão Giovanni di Lorenzo.

Foi a primeira vez que o papa Francisco falou sobre o assunto?

Não. Quando o papa Francisco estava voltando da viagem realizada na Terra Santa, foi perguntando a respeito da possibilidade de padres casados (à semelhança do que há na Igreja Ortodoxa). E ele assim respondeu:


A Igreja Católica já tem padres casados​​, não tem? Os católicos gregos, os católicos coptas... No rito oriental, existem padres casados​​. Porque o celibato não é um dogma de fé; é uma regra de vida que eu aprecio muito e creio que seja um dom para a Igreja. Não sendo um dogma de fé, sempre temos a porta aberta: neste momento, não temos em programa falar disso, pelo menos para já.

Enquanto arcebispo e cardeal ele escreveu no seu livro "Sobre o céu e a terra" (um diálogo com o rabino Abraham Skorka):


"Por ora, sou a favor que se mantenha o celibato, com seus prós e contras, porque são dez séculos de boas experiências mais que de falhas. O que acontece é que os escândalos se veem logo. A tradição tem peso e validez." (p. 50)


A questão da manutenção do celibato, me parece para o pensamento do papa Francisco, é de que ele, claro, irá continuar. A questão é a possibilidade de ser opcional em alguns dos casos.

No mesmo livro ele descarta a possibilidade de que o celibato do sacerdócio, possa ser causa dos casos de pedofilia. E, portanto, não é "solução" para estas situações.


"Que o celibato traga como consequência a pedofilia está descartado. Mais de 70% dos casos de pedofilia se dão no entorno familiar e vicinal: avós, tios, padastros, vizinhos. O problema não está vinculado ao celibato. Se um padre é pedófilo, era-o antes de ser padre." (p. 51)
Em um encontro com seminaristas, noviços e noviças, o papa Francisco faz uma defesa do celibato vivido intensamente e verdadeiramente - fazendo do padre um pai espiritual e da freira, uma mãe espiritual. Eis o texto (que pode ser lido integralmente aqui):

Vós, seminaristas, freiras, consagrais o vosso amor a Jesus, um amor grande; o coração é para Jesus, e isto leva-nos a fazer o voto de castidade, o voto de celibato. Mas o voto de castidade e o voto de celibato não acaba no momento em que se emite, continua... Um caminho que amadurece, amadurece, amadurece até à paternidade pastoral, até à maternidade pastoral, e quando um sacerdote não é pai da sua comunidade, quando uma religiosa não é mãe de todos aqueles com os quais trabalha, torna-se triste. Eis o problema. Por isto vos digo: a raiz da tristeza na vida pastoral consiste precisamente na falta de paternidade e maternidade que vem do viver mal esta consagração que, ao contrário, nos deve conduzir à fecundidade. Não se pode imaginar um sacerdote ou uma religiosa que não sejam fecundos: isto não é católico! Não é católico! Esta é a beleza da consagração: a alegria, a alegria...
Houve ainda um encontro entre o papa Francisco e o bispo austríaco D. Erwin Kräutler, prelado do Xingu (Amazonas), em 4 de abril de 2014. Estes encontros não são registrados e, neste caso, o prelado é quem conta que o papa Francisco lhe falou da possibilidade de que seja ordenados os "viri probati". Na ocasião, d. Erwin contou a situação complexa da sua prelazia, com apenas 27 padres para 800 comunidades! 

Segundo ainda d. Erwin, o papa lhe disse que não se pode resolver tudo a partir de Roma e que as Conferências Episcopais Regionais ou Nacionais deveriam entrar em consenso e fazer propostas corajosas para Roma. E que são os bispos que estão em situações desta natureza que devem colocar em ação soluções concretas.

Outro momento foi uma entrevista que o papa Francisco teve com um amigo seu da argentina - pastor Norberto Saracco - dois meses após a sua eleição como pontífice. Ele relata este encontro em uma entrevista com a National Geographic Magazine. Quando perguntado sobre a possibilidade do papa Francisco remover o celibato obrigatório ele assim teria respondido: “Se o papa conseguir sobreviver às pressões da Igreja e aos resultados do Sínodo sobre a família, acredito que depois estará pronto para pôr em discussão o celibato”

O que são os "viri probati" que o papa Francisco fala na entrevista?

Esta é uma palavra latina (o singular é vir probatus) e significa "homens provados". A expressão tem origem na Primeira Epístola de Clemente Romano (44,2) (você pode ler a íntegra da carta aqui):

Por tal motivo e como tivessem pleno conhecimento do porvir, estabeleceram os acima mencionados e deram, além disso, instruções no sentido de que, após a morte deles, outros homens comprovados lhes sucedessem em seu ministério.  
Esta expressão é retomada no Concílio Vaticano II, na Constituição Dogmática Lumen Gentium (nº 20):

Assim, não só tiveram vários auxiliares no ministério mas, para que a missão que lhes fora entregue se continuasse após a sua morte, confiaram a seus imediatos colaboradores, como em testamento, o encargo de completarem e confirmarem a obra começada por eles, recomendando-lhes que velassem por todo o rebanho, sobre o qual o Espírito Santo os restabelecera para apascentarem a Igreja de Deus (cfr. At 20, 28). Estabeleceram assim homens com esta finalidade e ordenaram também que após a sua morte fosse o seu ministério assumido por outros homens experimentados.
A expressão em questão refere-se a homens casados de vida cristã madura - que na Igreja cristã primitiva poderia ser admitido às ordens sacras.

Não existem padres casados na Igreja Católica?

Existem hoje sim! Ainda que nós, aqui no Brasil, não estejamos acostumados a ouvir isso ou conhecer esta realidade, nas Igreja Católicas Orientais (são Igreja particulares sui iuris que estão plenamente em comunhão com Roma - cito aqui o exemplo da Igreja Católica Ucraniana, bastante conhecida aqui em Curitiba - PR) muitos são os padres casados, que assumem a função nas paróquias (há também padres não casados, ou celibatários, que são os monges).

Há ainda em torno de 300 a 400 padres casados na Igreja Latina do Ocidente  - ministros do culto advindos do protestantismo ou do anglicanismo, que foram acolhidos na Igreja e ordenados padres, ainda que casados, com a autorização da Santa Sé.

Que papas que acolheram estes ministros e permitiram estas ordenações?

Antes do papa Francisco, papa Bento XVI e papa João Paulo II.

Já houve o "casamento de padres"?

Não. Na Igreja Católica (à exceção da França na época da Revolução Francesa, em situação complexa) nunca houve o casamento de padres e sim a ordenação de homens casados. Parece a mesma coisa, não é? Porém a regra é válida igualmente para o diaconado permanente - ordena-se diáconos homens já casados. Aqueles homens que, sendo solteiros, desejam tornar-se diáconos, permanecem solteiros - não devem casar-se.

Então o papa Francisco permitiu a ordenação de homens casados?

Não. O que ele disse é que haveria a possibilidade, pois o celibato não se trata de questão dogmática mas de disciplina eclesiástica. Haveria, portanto, a possibilidade de se rever a obrigatoriedade do celibato para os candidatos às ordens sacras.

O que é disciplina eclesiástica?

Bem, a principal fonte do direito canônico (que regula a vida da comunidade eclesial) é a Revelação. Dela se depreende os dogmas, os quais todos os católicos estão obrigados a crer. Certos comportamentos, que foram legislados, ainda que não dogmas, encaixam-se como disciplinas eclesiásticas, ou seja, por que não são de revelação divina, são passíveis de mudar.

Então, o que vai acontecer agora?

O papa Francisco não escolheu seu nome à toa - "Francisco" - alguém que colocou a sua vida na missão de reconstruir a Igreja. E é assim que o papa Francisco vê a missão de seu pontificado também - alguém que foi chamado "do fim do mundo" (como ele mesmo disse) para "reconstruir" a Igreja. E, nesse caso, abrir as portas da Igreja para a possibilidade da ordenação de homens casados.

Mas isso não se dará, com certeza, através de uma "canetada pontifícia". Eu acredito (e aqui vai a minha opinião como teólogo) de que ele autorizará determinados bispos (de determinadas e precisas regiões, que sofrem com esta desproporção entre leigos e padres e, portanto, sofrem com a falta da eucaristia) a ordenarem "viri probati". E, a partir do acompanhamento destas experiências, o modelo irá se espalhando.

Esta "solução" acabaria com todos os problemas da Igreja? É claro que não. Provavelmente muitos homens que se casaram, pois não queriam viver o celibato, mas desejariam servir a Igreja através do sacerdócio, irão solicitar as ordens sacras. Assim como alguns dos atuais diáconos permanentes. Outros problemas poderão surgir - a manutenção das famílias dos padres casados, o estabelecimentos dos mesmos nas comunidades, aqueles que, por fraqueza, não permanecerão na fidelidade matrimonial etc., etc.

Ainda assim, com certeza, o celibato eclesiástico permanecerá. Será, contudo, um dos estados possíveis para a ordenação.


Espero que este texto estimule o debate sadio e inteligente!

Fonte da imagem: Aleteia
Um abraço,


Robert Rautmann



Fontes:

Além das citadas no corpo do texto...


News.sa

Fica autorizada a reprodução integral deste post, desde que citada a fonte conforme texto a seguir:
RAUTMANN, Robert. Padres casados? O que, de fato, o papa Francisco falou. Disponível em: 
http://robertccj.blogspot.com.br/2017/03/padres-casados-o-que-de-fato-o-papa.html

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